Acordo Mercosul-UE e a descarbonização Generación, Integración

15/12/2023

Argentina, Brasil, Paraguay, Uruguay

Generación

Os obstáculos ao acordo UE-Mercosul já não se limitam aos interesses
da agricultura europeia; agora, a indústria também resiste

Após anos
de esforços extraordinários das equipes de negociação, o Mercosul esperava
finalmente assinar o acordo comercial com a União Europeia (UE) na recente
reunião de Cúpula do Rio de Janeiro. A assinatura não apenas não aconteceu,
mas, agora, este parece ser um objetivo mais distante. O colapso do acordo foi
uma frustração para o Mercosul, mas não seria exagero pensar que a frustração
pode ser tão grande ou ainda maior para a UE. Sendo assim, e se estávamos tão
próximos da conclusão, como se anunciava, por que, então, não logramos o
acordo?

A
narrativa europeia é de que o acordo é prejudicial para o meio ambiente. Mas,
ao que parece, o conto seria um pouco distinto. Palavras recentes do presidente
Macron oferecem pistas para entender o que passa: “Acrescentamos frases [ao acordo]
no início para agradar a França, mas ele não é bom para ninguém, porque não
posso pedir aos nossos agricultores, aos nossos industriais na França, em toda
a Europa, que façam esforços, que apliquem novas linguagens para descarbonizar,
para abandonar certos produtos, enquanto são removidas todas as tarifas para importar
produtos que não aplicam essas regras.” (…) “Não sei como explicar este acordo
a um agricultor, a um produtor de aço, a um fabricante de cimento francés ou
europeu”.

Portanto,
as resistências já não se limitam aos interesses da agricultura; agora, a indústria
também resiste ao acordo. O caso do protecionismo agrícola europeu já é conhecido,
mas, como explicar o incômodo com a concorrência da manufatura do Mercosul? As
explicações passam, ao menos em parte, pelas próprias normas ambientais da UE e
pelas vantagens comparativas e competitivas de países do Mercosul.

Uruguai e
Paraguai têm matrizes elétricas praticamente 100% verdes, enquanto a do Brasil
é 85% verde, níveis muito superiores à da UE, que é de 39%. Com esta matriz, a
região é altamente atrativa para o “powershoring”, a estratégia empresarial de localização
geográfica da produção associada à disponibilidade de energia verde, segura,
barata e abundante. Mas as vantagens da região não param aí. O Mercosul tem
potencial de produção de hidrogênio verde a preços altamente competitivos para
padrões globais, tem grandes reservas de muitos dos mais importantes minerais
críticos da nova economia – como o lítio, níquel, grafite, silício, terras
raras, minério de ferro de alto teor e tantos outros, têm muita água doce,
muitos ricos e variados biomas e florestas, gigantesco potencial para a
bioeconomia, muitas terras férteis ainda disponíveis, muita biomassa e
incomparável potencial para participar e expandir o mercado de carbono. Mas as
vantagens competitivas vão ainda além. O Mercosul é líder global em
tecnologias, modelos de negócios e produção de biocombustíveis e está protegido
dos grandes temas geopolíticos que determinarão cada vez mais a localização dos
investimentos industriais. E o Mercosul é candidato natural a participar da
diversificação geográfica da produção manufatureira associada à constituição de
redes de resiliência a fenômenos climáticos extremos.

Com esse
conjunto único de atributos, o Mercosul pode produzir bens industriais com
muito menos emissões que a Europa e com um “time-to-market” e estrutura de custos
sem comparação. A agricultura, por sua vez, pode expandir significativamente a
produção, ao tempo em que avança em tecnologias sustentáveis e regenerativas, uso
de terras degradadas e outras técnicas amigáveis ao meio ambiente. O “powershoring”
já está atraindo investimentos para a produção de manufaturas intensivas em
energia e alí incluem-se o aço, cimento, papel e celulose, fertilizantes, SAF,
vidros, cerâmicas, química e outros setores que precisam descarbonizar para proteger
a competitividade empresarial e atender ao compliance ambiental europeu.

Os
obstáculos já não se limitam aos interesses da agricultura europeia; agora, a
indústria também resiste ao acordó

Assim que
o Mercosul se apresenta para o mundo, como uma fonte de soluções para a
descarbonização, para a fome e para empresas de muitos setores. Para a Europa,
para além de outros benefícios, o Mercosul pode acelerar a descarbonização das
suas cadeias de valor – pense, por exemplo, no impacto do aço verde da região no
esverdeamento da indústria metalmecânica e, ainda mais importante, reduzir, com
o “powershoring”, os prazos e os custos da descarbonização da sua matriz elétrica.
Mas tudo isto assusta àqueles que se focam apenas no imediatismo, nos ganhos
financeiros e na influência política, e pouco consideram temas de interesse coletivo
e bem-estar dos consumidores.

Para que o
Mercosul possa realizar todo aquele potencial, será necessário que o comércio e
o fluxo de investimentos internacionais funcionem com liberdade. Mas o comércio
e o investimento estão enfrentando obstáculos sem precedentes sem razão do
protecionismo, discriminação, subsídios massivos e normas e padres técnicos
altamente enviesados de países desenvolvidos, notadamente em tudo aquilo
associado à indústria da sustentabilidade. A OMC, por sua vez, enfrenta bloqueios
que dificultam o seu funcionamento, justamente num contexto de mudanças
climáticas complexas.

Tudo isto
já está criando barreiras tarifárias e não tarifárias e desvios de comércio e investimento
preocupantes para a América Latina e outras regiões em desenvolvimento. Ao que
tudo indica, o colapso do acordo Mercosul-UE seria parte desse mesmo movimento.
Finalmente, o comércio e o investimento podem ajudar a atacar duas das maiores
chagas da região, que são a pobreza e a desigualdade. Afinal, ambos podem, como
nenhuma outra peça de artilharia, gerar empregos e renda e impactar de maneira
fundamental as ODS e a transição verde e justa. O acordo com o Mercosul deve
ser visto, entendido e interpretado desde uma perspectiva ampla e ambiciosa e
deve considerar todos os benefícios e ganhos, para a Europa, para a região e
para o mundo. (Jorge
Arbache
,
Valor
Econômico – Brasil)

Jorge
Arbache é vice-presidente de setor privado do Banco de Desenvolvimento da
América Latina e Caribe – CAF e escreve mensalmente às quintas feitas neste
espaço.